quinta-feira, 18 de abril de 2019

Presos e entrevistas


A respeito da entrevista de presos, já conversei com muita gente e sei de várias possibilidades de interpretação para essa situação.

- Há quem entenda como direito claro e taxativo...

- Ou como direito claro, mas que depende de autorização de quando e como, autorização que nunca contemplaria a possibilidade de negar caso o preso concorde com a entrevista, apenas de quando e como...

- Ou ainda como direito, mas nunca como dever da autoridade de autorizar, facultando diante de argumentos a possibilidade de autorizar ou não...

- E ainda tem os que defendem que não pode e fim de papo, que se quer dar entrevista, não seja preso...

A base para interpretação a respeito dessa questão está na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm - especificamente no Artigo 41, inciso XV:

"contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes"

Como sempre, as interpretações se apresentam.

Entendo, pessoalmente, que não existem palavras sem sentido para quem entende o sentido das palavras. De qualquer forma, não nego as várias interpretações possíveis, uma vez que elas existem e podem se configurar como "tese vencedora" dependendo do caso. Normalmente se mantém uma determinada jurisprudência, mas até isso pode ser revisto e mesmo sem mudanças na letra da lei, é possível ter uma nova linha interpretativa com base no "espírito da lei" e do momento social vivido onde tal lei será aplicada.

A respeito de preso dar entrevistas:

Nenhum inciso diz "direito de dar entrevistas". Se isso estivesse escrito, aí seria taxativo. Mas também não é taxativo em não poder... Logo, totalmente interpretativo!

"Contato com o mundo exterior" poderia ser através de celular, mas para isso se tem outras alternativas, então essa é "retirada" e não há questionamentos. Essa seria a mais fácil de liberar, já que o mundo passou por mudanças.  Muitas pessoas leem em tablets e celulares. Se é direito taxativo do preso a leitura, ele deveria ter o direito de ter o celular em nossos dias. Mas como tem outra forma de leitura, essa é tirada sem que ele perca o direito de fato.

Mas o meu ponto é o "dar entrevistas"...

Eu não preciso dar entrevistas para ter contato com o mundo exterior nem me informar. Posso conseguir isso apenas com a leitura. Isso é "informação". Uma coisa é "meio DE informação", outra seria "meio PARA informação" e no caso é "DE". O preso é informado e tem esse direito, não vai necessariamente informar (PARA) os meios de informação nada... 

Ainda que possa trocar correspondências e dar informações pessoais, isso nunca configura em possibilidade clara para dar entrevistas para meios de comunicação. A menos que a entrevista seja por carta! E mais uma vez pensando no celular (já que as autoridades não conseguem banir esse aparelho "proibido" nos locais de prisão, seria mais fácil legitimá-lo de forma legal e com limites): é possível trocar mensagens e emails através de um celular. Logo, uma agência dos correios portátil e sem necessidade de selo, apenas de conexão de internet ou um plano de telefonia simples, aí nesse caso para uso de SMS. No meu entendimento, a lei permite, em nossa sociedade atualmente, muito mais um celular que a entrevista, e o celular é negado ao preso.

Como escrevi antes, seria taxativo se estivesse escrito "direito de dar entrevistas". É completamente implícito e interpretativo, nunca taxativo. Na minha opinião pessoal, nem interpretativo, mas já conversei com muita gente para entender essa "possibilidade" de interpretação, que limita a possibilidade a um pedido de autorização que pode ser negado ou concedido. Se negado, existe a possibilidade de recurso a outras instâncias, até o STF. Se concedido, define-se onde e quando. E se houver alguém que entenda que deve recorrer, deve poder, claro...

É possível conceder ou negar. Insisto: na minha opinião e pela interpretação que apresentei, essa possibilidade nem deveria existir, a não ser por carta! Mas me rendo, democraticamente, ao ramo interpretativo que defende a possibilidade mediante autorização, e vou dizer abaixo a razão de me render a essa possibilidade de interpretação: que precisa de autorização e que esta pode ser concedida ou não. Ainda que não veja claramente isso na lei, entendo que é o mais correto diante de uma pena restritiva de liberdade.

Mas ainda acho que deveríamos discutir a questão do celular... em outro momento...

Para encerrar, a autorização deve ser ou não concedida e com base na lei! Leia o "parágrafo único" deste artigo 41:

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

O inciso que para muitos defende a possibilidade de entrevista é o XV - um dos que poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento, o que é uma forma de autorização ou negação desta. Não é regra a necessidade da autorização, mas o diretor do estabelecimento pode suspender ou restringir, logo, autorizar ou não...

É claro que não podemos desprezar o inciso VIII, principalmente quando pensamos em um caso específico: a entrevista do ex-presidente Lula. Trata-se de PT, Lula e afins! Até velório se torna um caso para "sensacionalismo"... Mas entendo que isso só poderia ser aferido de fato depois da entrevista, para que seja tratado como "um caso comum" (mesmo que para muitos não seja), ainda que haja no histórico recente (e de sempre) a confirmação da possibilidade nesse caso específico. Dessa forma, não sei se seria possível unir VIII com XV (e este último, de acordo com o parágrafo único do mesmo artigo 41, podendo ser suspenso ou restringido), mas que deveria poder, isso deveria...

Direito só é fascinante porque permite interpretações diferentes com base nos mesmos textos... Se você não consegue se render a realidade de outras possíveis interpretações, não siga pelo ramo do Direito. Não quer dizer aceitar e mudar a sua opinião necessariamente! Isso pode ocorrer. Mas, mesmo mantendo a sua interpretação, esteja sempre aberto a qualquer outra possibilidade interpretativa. Ainda que pareça absurda, ela pode se tornar "tese vencedora" e o absurdo será você não ter admitido a possibilidade de outras interpretações...

Eu defendo a minha interpretação. Mas é claro que sei que outras são possíveis e que podem ser aplicadas. O fato de uma tese interpretativa ser aplicada em um momento histórico não impede que outra tese seja aplicada, mesmo sem mudar nada no texto da lei...

Se fosse tudo sempre taxativo, bastava uma "inteligência artificial" para resolver tudo... e com muito mais coerência ao "taxativo"...


Caco Borba